FOTO: Werther Santana-Estadão Conteúdo |
Em mais de 70% das
cidades brasileiras, no mínimo um em cada quatro alunos cursa o 1.º ano do
ensino médio com muito atraso. Eles começam essa etapa com 17 anos em vez de
15, a idade correta. Isso acontece basicamente porque os jovens repetiram de
ano pelo menos duas vezes ao longo da vida escolar. Os dados mostram também que
apenas 1,4% dos municípios do País tem 90% das crianças na idade certa em todos
os anos da educação fundamental e média.
O resultado vai contra
o senso comum de que não se reprova mais nas escolas públicas brasileiras.
Especialistas em educação são contrários à repetência porque sustentam que ela
não melhora a aprendizagem. Além disso, afirmam, prejudica a autoestima do
aluno e é uma das principais causas de abandono da escola. O ensino médio
brasileiro tem evasão considerada elevada, em torno de 12%.
O estudo inédito foi
feito com base no Censo Escolar 2016 pelo Interdisciplinaridade e Evidências no
Debate Educacional (Iede) e pelo QEdu, dois institutos que pesquisam e divulgam
dados educacionais. Foi tabulada a chamada distorção idade/série de todos os anos
do ensino fundamental e médio - o cálculo inclui apenas alunos com dois anos ou
mais de atraso. A série em que há mais municípios com grande diferença de idade
é o 1.º ano do médio e, em seguida, o 6.º ano.
"Isso é reflexo
de um sistema que não consegue garantir a qualidade da aprendizagem. A
reprovação precisa ser uma exceção e não uma estratégia pedagógica", diz o
diretor do Iede, Ernesto Faria. Para ele, há uma cultura da repetência no País
que está ligada à relação conflituosa entre professor e aluno.
"Alguns
professores alegam que, ao ameaçar um aluno de reprovação, ele estuda. Se isso
funcionasse, estaria todo mundo bem, com ótima aprendizagem", afirma o
professor da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Alavarse. Resultados de
avaliações nacionais e internacionais mostram que alunos reprovados têm
desempenho inferior aos demais. Dados do Pisa, o maior exame de estudantes do
mundo, indicam uma diferença de mais de 70 pontos entre os brasileiros que
nunca repetiram de ano e os que foram retidos. Isso significa dois anos a mais
de escolaridade. A tendência se repete em todos os países participantes do
Pisa.
A educadora da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Márcia Jacomini, que pesquisa
reprovação, diz que não vê "um só aspecto positivo" na repetência.
"Ela leva à separação do grupo da classe, interfere na autoestima, tem
custo alto e causa evasão."
Victor Hugo, de 11
anos, está fazendo o 4.º ano pela terceira vez numa escola pública de Senador
Canedo, em Goiás. A cidade é uma das que têm altos índices de distorção
idade/série no ensino médio. A mãe, a empregada doméstica Jaciene Braz, de 30
anos, diz que o menino reclama que é muito maior que os colegas. Com 1,65 metro
e quase 12 anos, já deveria estar no 7.º ano, mas convive com crianças de 8 e 9
anos. "Ele já nem quer ir mais para a escola." Victor Hugo não sabe
ler e escreve pouco. "No 1.º ano ele não foi alfabetizado", diz.
Mesmo assim, Jaciene acha certo o filho repetir porque "iria para o 5.º
ano sem saber nada".
Morador de Presidente
Prudente (SP), Gabriel Gonçalves, de 19 anos, desistiu da escola regular no
início no ensino médio. Já havia repetido duas vezes, no 5.º ano e no 8.º ano.
"Ficava triste, todo mundo ia para frente e eu, parado." Agora que é
maior de idade, voltou a estudar na Educação de Jovens e Adultos (EJA) porque
quer prestar concurso público. "Acho que deveriam dar mais chances para a
gente. Os anos que fiz de novo não aprendi nada e passei raspando."
Especialistas alertam
que, se há repetência, as escolas precisam ter projetos para lidar com os
reprovados. "Não se pode tratá-los como se tivessem começando pela
primeira vez aquele ano", afirma Alavarse.
Ciclos
Os dados da pesquisa
mostram que há Estados em que 100% dos municípios têm graves problemas de
distorção idade/série no ensino médio, como Pará e Distrito Federal.
Procurados, ambos os governos informaram que têm medidas para reduzir os
índices, como parcerias e implementação de ciclos, quando a repetência acontece
só em alguns anos. Roraima, Amapá e Amazonas não responderam às solicitações do
Estado. São Paulo, que adota um sistema de ciclos, tem os índices mais baixos
do País. Educadores dizem que há problemas na implementação do sistema, que prevê
uma avaliação contínua do aluno - o que nem sempre ocorre -, mas a menor
possibilidade de repetência é positiva.
Professores que atuam
nas escolas reclamam de salas cheias, dificuldade em se dedicar aos alunos com
problemas de aprendizagem e pouca ajuda dos pais. "Depois do 3.º ano, os
pais desistem de ir a reuniões, não acompanham. Aí a criança chega ao 5.º ano
sem saber ler e não temos mais o que fazer", diz Nathália, professora da
rede municipal de São Paulo, que preferiu não ter seu sobrenome publicado.
"Acho que tem de repetir em todas as séries. Se você joga para frente, ele
não vai acompanhar e vai se frustrar."
Educadores lembram que
as escolas precisam fazer intervenções ao longo do ano, com acompanhamento do
aluno e reforço, para verificar se ele está aprendendo. "O desafio é
construir um sistema de ensino que prescinda da reprovação."
Fonte: Estadão
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