Ceará tem quase 40 mil processos de cobrança de pensão alimentícia abertos na Justiça
Mumbai
Ahmedabad
Não há uma regra para estipular o valor da pensão alimentícia. Pode-se
comprometer até 50% da renda de uma pessoa. — Foto: Natinho Rodrigues/SVM
Moradia, vestuário, saúde e educação incluem a lista de necessidades
básicas de suprimento e manutenção que uma pessoa deve ter para viver em uma
condição digna. Em uma situação em que os pais de uma criança ou adolescente
não tiverem concedendo os direitos fundamentais, o Poder Judiciário deve ser
procurado o mais rápido possível.
Somente neste ano, 38.817 processos estão abertos no Ceará. O número de
prisões decretadas por não-pagamento de pensão alimentícia no estado foi de
380, em 2017, para 1.287, em 2018, de acordo com o Tribunal de Justiça. Os números
representam um aumento de 238% em um ano.
Há 13 anos, a pedagoga Elisabeth Maia, 44, iniciou um relacionamento que
lhe rendeu uma gravidez e algumas chateações quanto ao pagamento dos valores
relacionados à pensão alimentícia do filho. Ela define a própria história de
vida como uma novela. Após três meses de namoro, descobriu estar esperando um
filho do até então companheiro que, em primeiro momento, recebeu a notícia de
bom grado.
A situação mudou algum tempo depois, quando a criança tinha cinco meses
de vida. De acordo com a mulher, o companheiro arranjou uma namorada e a pôs,
junto ao filho, para fora de casa. Após o fato, ela decidiu procurar a Justiça
para receber a pensão que era direito da criança.
Na audiência, o pai compareceu. Ele não trabalhava de carteira assinada,
mas, na ocasião, foi acordado entre as partes um valor de R$ 150. O trato,
afirma Elisabeth Maia, foi cumprido durante os três primeiros meses. A batalha
judicial começava aí.
“Comecei a recorrer, mas todos os advogados que pegavam o meu caso não
faziam nada. Mandavam eu esperar dez dias, e, desde então, lá se vão 13 anos.
Enviavam cartas à procura dele, mas não o encontravam. O tempo foi passando, e
ele casou novamente, e hoje em dia vive bem, mas continua não pagando. Ligava
para cobrar a pensão. Ele me dizia que não me devia nada. Me bloqueou nas redes
sociais”, conta.
A situação atualmente é mais delicada. Embora tenha uma casa própria,
Elisabeth Maia continua desempregada. O pai dela está doente e acamado, já a
mãe faz costuras para ajudar nas despesas da casa, bem como na criação do neto.
Quando o menino tinha oito anos, foi passar um mês na casa do pai, mas,
segundo a mãe, não teve uma experiência positiva.
“Queria que ele tivesse uma relação de carinho, afeto com o nosso filho.
Não estou interessada no dinheiro, não. Ele fica perguntando porque o pai não
gosta dele. Digo que ele está viajando. Fico tentando não passar uma imagem
negativa do pai”, finaliza.
Crise
Para a advogada e vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil -
Seção Ceará (OAB-CE), Anna Magalhães, o aumento na quantidade de prisões
decretadas pelo não-pagamento das pensões alimentícias pode ser explicado pela
dificuldade político-econômica em que o país se encontra. “Vivemos em uma crise
muito intensa nos último tempos. Pode ter havido uma perda de emprego ou
mudança de salário”.
O desemprego, alega, não é justificativa para as prisões e não exime o
devedor do pagamento. Se o pai não puder fazer o pagamento da pensão, ele tem
que avisar ao Poder Judiciário, informando se está desempregado e pedir uma
ação revisional, para reduzir o valor. Isso não pode ser feito por vontade
própria.
Anna Magalhães afirma que não há uma regra para valor estipulado da
pensão alimentícia. O juiz analisa cada situação. Pode-se comprometer até 50%
da renda de uma pessoa. Toda pensão determinada judicialmente precisa ser
exonerada da mesma forma. A pessoa não pode deixar de pagar por conta própria.
O menor de idade tem uma necessidade certa. O genitor é obrigado a pagar
de qualquer forma. A partir dos 18 anos, deve ser demonstrado que o filho não
tem como se manter, que está na faculdade, por exemplo. Quando ela tiver uma
renda, pode ser diminuída ou exonerada.
Se o pai que estava devendo pensão alimentícia morre, a dívida pode ser
cobrada no inventário, que pode arcar durante um tempo. A pessoa, então, passa
a ser herdeiro. Como ela vai ficar com os bens, eles vão ajudar na manutenção
dela.
Gestantes
O benefício não é um direito exclusivo aos filhos. As grávidas também
podem usufruir dele. Se ela conseguir demonstrar à Justiça indícios que aquela
pessoa é o pai da criança, poderá receber a pensão ainda estando gestante.
Um pai que ganhava três salários e pagava um ao filho de repente é
demitido e decide pagar uma parte do valor por conta própria. O pagamento de
forma parcial da pensão não impede que seja decretada a prisão do indivíduo.
Todas as mudanças só devem ser feitas dentro de uma ação judicial.
Se o pagador mascara o valor que ganha, deve-se procurar o Poder
Judiciário também. A prisão só existe quando existe uma pensão determinada
judicialmente. Além da prisão, há também outras sanções, como o nome do devedor
no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) ou Centralização de Serviços dos Bancos
(Serasa), bloqueio de passaporte e ou de Carteira Nacional de Habilitação
(CNH), garante a vice-presidente da comissão de Direitos Humanos da OAB-CE.
“O juiz pode, também, mandar oficiar a empresa para que ela informe em
juízo o quanto o funcionário ganha. Se apresentar um valor diferente, está
sendo conivente com a farsa. Outra forma seria a quebra do sigilo bancário ou
fiscal, para verificar quanto há na conta, aplicações, recebimentos por
empresas ou outras fontes, por meio da declaração de imposto de renda”,
finaliza a advogada.
Mediação
A mediação familiar oferecida pela Defensoria Pública é uma alternativa
às ações judiciais, uma vez que permite o diálogo entre as partes a fim de
alcançar um acordo satisfatório para ambas, incluindo a determinação do valor a
ser pago pela pensão.
“Nós trabalhamos com uma atuação preventiva, tentando administrar o
conflito ou até resolvê-lo. Aqui, elas recebem toda a orientação. Dando tudo
certo, elas são agendadas e já saem com uma carta-convite para a outra pessoa,
convidando a outra parte para dialogar, com a presença de um defensor público”,
explica Rosane Martins, defensora pública do Núcleo de Solução Extrajudicial
dos Conflitos (Nusol).
Uma vez alcançado o acordo, o caso é documentado e formalizado, um termo
é elaborado e encaminhado ao Poder Judiciário. Os acordos firmados no Nusol são
levados até uma juíza com competência exclusiva para homologá-los, graças a um
convênio firmado entre a Defensoria Pública e o Tribunal de Justiça.
“Caso o acordo envolva filhos menores, deverá passar ainda pelo Ministério
Público para averiguar se os direitos estão devidamente resguardados”, ressalta
Rosane Martins. O nível de consenso do Nusol, diz, foi de 81% em 2018.
Petição
Caso a mediação não seja possível, ou uma das partes prefira seguir
diretamente para a ação judicial, é possível buscar orientação na sede e nos
núcleos descentralizados da Defensoria Pública, de acordo com Denise Castelo,
supervisora das Defensorias de Família. No caso das pensões alimentícias, uma
vez que a demanda chegue aos núcleos, é dada a entrada em uma petição inicial
de alimentos.
G1 CE
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