Contestações feministas ecoam na Mostra Sesc de Culturas Cariri
Mumbai
Ahmedabad
Um encontro cultural que recebe, todos os anos, mais de mil
propostas artísticas de todos os lugares do País consegue captar o zeitgeist
expresso no pensamento crítico das artes e registrar as transformações em curso
na sociedade. Em um contexto de desconstrução da cultura machista, de luta
pelos direitos das mulheres e pela igualdade de gênero, o cinema, as artes
plásticas, a literatura são uníssonas em ecoar questões por muito tempo
silenciadas.
Nesta edição da Mostra Sesc Cariri de Culturas, as mulheres
conquistaram espaço na programação com criações relacionadas ao feminismo e
construídas com sensibilidade, apuro estético e coragem. A jovem cineasta
Beatriz Vieirah homenageia Lélia González, antropóloga e intelectual feminista,
referência do movimento negro no Brasil. Na galeria de arte do Sesc no Crato, a
exposição da artista plástica Marlene Barros simboliza uma rede de
solidariedade às vítimas de violência doméstica e feminicídio.
As artes cênicas refletem sobre as relações maternais,
performances questionam as pressões estéticas impostas às mulheres, o recital
da poeta recifense Luna Vitrolira desmonta a idealização do amor romântico e
convida o público para o papo criativo ao lado da artista caririense, Soupixo.
A ausência das mulheres negras no cinema, seja na direção
ou atuação, é posta à prova por Carine Fiúza no vídeo “Ando Feito Nuvem
Tempestiva Querendo Chover”, criado e performado por ela mesma. Na referência
visual e simbólica de Iansã, ela quebra o estereótipo de fragilidade forjado
pela segregação racial.
25 anos de teatro feminista
Personagens interpretadas ao longo de 25 anos de atuação no
coletivo Ói Nóis Aqui Traveiz, deixam de ser coadjuvantes quando tomam a voz e
o corpo da atriz Tânia Farias, no espetáculo Evocando os Mortos – Poéticas da
Experiência. Escolhido pela curadoria para a Mostra Sesc de Culturas Cariri, a
peça é costurada pela ótica da atriz em releituras das histórias do dramaturgo
alemão Heiner Müller, da escritora Christa Wolf e do autor chileno, Ariel
Dorfman.
A escolha por mulheres contestadoras coloca questão o
contexto patriarcal em diferentes épocas e culturas. Reinterpretando figuras
femininas desde a mitologia clássica, a atriz performa a vidente Cassandra,
mostrando a perspectiva dela sobre a guerra e derrocada da cidade de Troia.
Também dá vida à Sophia, uma viúva que relata os horrores da ditadura militar
chilena, enredo inspirado na novela publicada pelo autor chileno em 1981. Para interpretar
Ofélia, personagem da peça Hamlet-Máquina, a atriz precisou lidar com traumas
de sua vida pessoal que havia bloqueado. “A criação dos personagens é
atravessada por experiências minhas diante da violência”, explica Tânia.
A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz já existe na cena
teatral gaúcha há 40 anos, nesse tempo a temática de gênero esteve presente
diversas vezes, explica ela. A questão sobre o papel do artista, indagada
reiteradas vezes na história da dramaturgia, é trazida para o contexto atual de
contestação à desigualdade de gênero. “O Teatro está sendo convocado a
participar deste instante de transformação e é algo de que não podemos abrir
mão”, defende a atriz.
Consciência da força
A afirmação de que as mulheres negras estão na base da
pirâmide social no Brasil significa que são elas a enfrentar o desemprego, ter
menor acesso à educação e ocupar os índices de extrema pobreza. Ver este
cenário materializado nas comunidades periféricas do Rio de Janeiro foi o que
despertou o desejo de mudança na cineasta paraibana Carine Fiúza. No final de
2018, ela lançou o vídeo “Ando Feito Nuvem Tempestiva Querendo Chover”, que já
foi exibido em uma mostra de cinema negro, festivais de vídeo-arte e será
trazido para a programação de artes visuais da Mostra Sesc de Culturas do
Cariri.
“Desigualdade racial no Brasil é uma questão estrutural, a
opressão sofrida pela mulher negra passa, desde questão política, à vida
social. É uma estrutura construída durante séculos, que leva a mulher negra a
estar em inferioridade”, argumenta.
O vídeo é performado por ela mesma e tem como referência
visual uma divindade das religiões de matriz africana: “Iansã, a orixá das
tempestades e movimentação dos ventos, é uma guerreira, representa essa força
da mulher negra”, explica Carine. O vídeo traz a proposta de desconstrução de
estereótipos e de uma nova forma de representação. “Desejo desconstruir a ideia
de fragilidade feminina, nós mulheres temos força de mudança”, afirma.
Vidas em rede
Na composição do trabalho “Eu tenho a Tua Cara”, de autoria
da artista plástica maranhense, Marlene Barros, mulheres cederam as fotos de
seus rostos para que a artista as unisse com linha e agulha, formando
simbolicamente, uma rede de cumplicidade contra a violência de gênero.“Eu tenho
a tua cara, quer dizer eu me importo com você, eu tenho a minha boca e os meus
olhos, que posso usar para falar e olhar por você”, explica ela.
Nesse mosaico, estão representadas todas as vítimas de
feminicídio, agressões sexuais, tal como a menina do interior do Maranhão
abusada pelo tio, que aprendeu a escrever para entregar uma carta ao delegado
da cidade. O fato chocou a artista plástica, hoje empenhada em não deixar que
as histórias das vítimas sejam esquecidas.
O ateliê de Marlene, localizado no centro histórico de São
Luiz, é o ponto de encontro de um grupo de artistas engajadas na questão
feminista, juntas elas já realizaram exposições e performances. “Faço arte pela
própria arte, mas as questões políticas e de injustiças sociais são tão
contundentes, te circulam de uma tal maneira, que não tem como isso não
penetrar no teu trabalho”, argumenta.
Programação
Artes Visuais
Eu Tenho A Tua Cara
Artista: Afrodite Produções
Dia: 08/11
Horário: 18h
Local: Unidade Sesc Crato
Ando Feito Nuvem Tempestiva Querendo Chover
Artista: Carine Fiúza
Dia: 08/11
Horário: 17h
Local: Unidade Sesc Juazeiro do Norte
Cabelodromax
Artista: Grasiele Cabelódroma
Dia: 12/11
Horário: 17h
Local: ruas de Juazeiro do Norte
Artes Cênicas
Pariré
Artista: Companhia Operakata De Teatro
Dia: 10/11
Horário: 19h
Local: Teatro Sesc Adalberto Vamozi
Desmontagem Evocando os Mortos – Poéticas da Experiência
Artista: Tribo De Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
Dia: 11/11
Horário: 19h
Local: Teatro Sesc Adalberto Vamozi
Dia: 12/11
Horário: 17h
Local: Casa Ninho
Audiovisual
Toda Sombra Parece Viva
Diretor: Leandro Afonso
Dia: 10/11
Horário: 16h
Local: Centro Cultural Banco do Nordeste Cariri
Em Busca de Lelia
Diretor: Beatriz Vieirah
Dia: 11/11
Horário: 16h
Local: Centro Cultural Banco do Nordeste Cariri
Literatura
Aquenda – O amor às vezes é isso
Artista: Luna Vitrolira
Dia: 09/11
Horário: 19h
Local: Unidade Senac Crato
Papo Criativo
Vozes Mulheres: Simetria do belo e o amor as vezes é isso
(Soupixo e Luna Vitrolira)
Dia: 08/11
Horário: 15h
Local: Casa Ninho
21ª Mostra Sesc de Culturas Cariri
Período: 08 a 12 de novembro
Local: Região do Cariri
Programação: Site www.mostrasescdeculturas.com.br, ou no
aplicativo de celular “Mostra Sesc de Culturas”, disponível para Android e iOS,
e redes sociais.
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